quinta-feira, setembro 12, 2002

não sei se faz sentido eu postar aqui o texto do cardoso. imagino eu, que todos lêem o blog dele, né? mas ok, eu adorei o texto e aí vai. brigada cardoso. beijo.

RIO DE JANEIRO STATE OF MIND
A primeira imagem que tenho do Rio de Janeiro é a de muitas árvores tombadas em uma daquelas avenidas muito iluminadas, à noite, poucos segundos antes de entrarmos em um túnel com centenas de lâmpadas cravejadas no teto. Acabava de acordar de mais um rápido cochilo entorpecido na sala de estar do motor-home da IMPERÍCIA TRANSPORTES, que nos proporcionou uma viagem com níveis bastante elevados de surrealismo. Antes da overdose de laranja e verde nos primeiros minutos da Avenida Brasil, entretanto, alguma coisa já havia acontecido e tudo só ficaria cada vez mais bizarro com o andar das horas.

Chovia muito no final da tarde de sexta em Porto Alegre e várias vezes durante o dia, lendo notícias sobre a chegada de uma violenta frente fria no estado, pensei em desistir da viagem ao Rio. Foi tudo nas últimas duas horas, na verdade: cobicei meus cobertores, minha cerveja preta, meu videogame e todas as minhas idéias atrasadas. Depois foi a vez de temer. Imaginei assaltos, balas perdidas, colisões com caminhões na Régis Bittencourt. Temi. E foi mergulhado em um profundo sentimento de medo que encontrei o grande leitmotiv de toda essa aventura: me permitir morrer um pouco. Vamos brincar de testar limites, pensei. Daquele instante em diante, nada me faria desistir da estrada.

Mas apesar dos impulsos negativos, a desistência dessa viagem não era uma opção. Há cerca de 3 anos atrás, talvez um pouco menos, dei o bolo em uma van da winston na última hora por conta de complicações com meninas, o que fez com que todos os tripulantes tivessem que arcar com o meu prejuízo. Esse deslise havia me posto em uma espécie de dívida moral com os caras, algo que eu imaginei poder pagar nessa viagem ao Rio, um empreendimento muito maior do que a viagem a Guará-mirim (ou algo assim) em Santa Catarina.

Gostei muito da winston logo no seu começo mas aos poucos fui perdendo um pouco do interesse inicial. A fórmula parecia desgastada, os próprios integrantes não pareciam muito satisfeitos com os rumos que as coisas estavam tomando. Depois de alguns shows mornos na época do lançamento de Anoréxica, parei de acompanhar a banda. Um tempo depois vi alguns shows - e o detalhe bizarro é que não lembro exatamente onde - em que a velha pegada parecia estar de volta. Eles pareciam mais dispostos. Comecei a ficar pelas beiradas, querendo saber o que vinha de bom por aí.

Confesso: ainda não tinha ouvido nada da "nova" winston. Nova não, RENOVADA. De qualquer forma, sabia que haviam finalizado o CD no Rio, com produção do Pedro Verissimo e estava muito curioso para ouvir as músicas novas. Aceitei o convite para a viagem por diversas razões: não conhecia o Rio, estava com vontade de pegar a estrada, precisava botar um pouco de rock´n´roll na minha vida e ainda por cima tudo isso seria feito em um MOTOR-HOME.

Mas talvez a mais forte de todas as razões fosse o fato de eu gostar mesmo desses caras, independente do som que eles fazem. Com eles eu poderia ficar tranqüilamente 30 horas dentro do mesmo ambiente jogando conversa fora sem nenhum problema - e foi exatamente o que rolou. As boas notícias vieram no domingo, quando eles apresentaram-se entre Old Suit e Soma no London Burning Festival e eu pude constatar que a renovada winston é realmente muito boa. Boa pra caralho mesmo. Estou escutando o CD pela terceira vez.

Mas já estou lá na frente de novo. Calma. Voltemos à sexta-feira.

Chuva pra caralho, coisa e tal, pegar um táxi pra Estrada do Forte não era uma idéia muito barata mas até as cinco da tarde era a única forma de chegar até o motor-home. Apiedado das minhas poucas posses financeiras e das revoltas que se desenhavam no céu, meu pai resolveu me fornecer uma simpática carona, que aceitei na hora.

O primeiro que encontrei foi o Meigo, guitarrista da winston, na porta do kombão, me convidando pra entrar. Na nossa sala de estar, jazia em um canto Marcos Ludwig, responsável pelo essencial O Apanhador. Trocamos algumas amenidades até que a primeira frase clássica da jornada foi proferida pelo Meigo, agora estatelado em outro canto um tanto irritado: O véio é muito pau no cu.

O véio em questão era o seu EGÔN, um dos nossos motoristas. Pelo que tinham me dito, pensei que os caras fossem uns casca-grossa que faziam isso todas as semanas, coisa e tal. Ao manter o primeiro contato visual com o seu EGÔN já deu pra sacar que ele não entendia absolutamente nada do negócio. Bastaram poucos minutos para que se materializasse ao seu lado o mestre IÚRA, os outros 50% da nossa equipe de motoras. Tentou socializar dizendo que era baterista há muitos anos. Citou nomes improváveis de empresários como Salim, perguntando se ele ainda estava no ramo. Senti o abraço.

A chuva já estava parando quando o Tiago, vocal, e o Pingarilho, um vagabundo ligado no video-artê, apareceram pra completar o time que ainda teria o baixista Peruca e o batera Noronha que, sinceramente, não lembro como foram parar dentro do kombão. Ainda nem havíamos ligado os motores e eu já estava com vontade de beber uma ceva. Ninguém havia comprado: a winston não é uma banda de ceva, é uma banda de ganja, assim como quase todas as bandas de Porto Alegre. Por ser uma banda de ganja e levar um bando de maconheiros à tira-colo, foi bastante frustrante ser avisado que o seu EGÔN e o seu IÚRA haviam vetado totalmente o consumo e a posse de qualquer substância ilícita dentro do kombão: Sempre tem batida com cachorro e eles revistam mesmo. E eu não quero passar noite na cadeia, teriam dito.

Algumas muitas horas mais tarde saberíamos que eles só disseram isso porque jamais haviam feito aquele trajeto - pelo menos foi a impressão que deu. Até São Paulo eu já tinha ido e sabia que até lá era muito tranqüilo mas como não sabia o que poderia rolar no trecho até o Rio de Janeiro, preferi não correr o risco. De mais a mais, não daria tempo de arranjar o produto: tudo muito em cima da hora. Para contornar a falta de thc no sangue, uma quantidade bastante generosa de spacecake de chocolate e space negrinhos foi confeccionada na casa do Pinga na tarde de sexta-feira - e foi isso que nos salvou durante boa parte da viagem.

Sobre a viagem em si não há muito o que dizer. Escutamos uma variedade enlouquecedora de bandas que eu não conhecia muito, falamos muita merda e bebemos algumas cervejas entre um e outro negrinho. Assistimos Doomed Generation, comemos salgadinhos e sanduíches e ficamos abobados. Alguns tomaram banho, outros aventuraram-se a cagar. Noronha, o baterista, dormiu pelo menos três quartos do tempo. Na passagem por São Paulo notamos as placas dobradas e os telhados mastigados mas nem tomamos conhecimento da tempestade que castigou o eixo RJ-SP na madrugada. Devíamos estar no Paraná quando isso aconteceu.

Fato é que depois de uma rápida parada em São Paulo para arrecadar a namorada do Peruca, chegamos ao Rio sem maiores percalços e fomos direto à Siqueira Campos, em Copacabana, onde os shows do London Burning Festival estariam rolando. Foi aí que os motoristas começaram a demonstrar como eram VERDES no ramo. Procurando um lugar para passar a noite, estacionaram próximo a uma praça deserta para perguntar a um guardador de carro dos mais chinelos se aquele lugar era seguro. Depois de muita xaropeação e papinhos fracos bah, che, a gente temos cansado aí, é até perigoso ficar rodando por aí com sono assim..., acabaram nos largando na frente da Casa Amarela e foram estacionar por aí. Detalhe: estavam cansados porque apesar de serem dois, ficaram acordados O TEMPO TODO, apenas revezando.

Entramos no final do show dos Brilhantines, a penúltima banda a se apresentar aquela noite. Achei legalzinho até, bem feitinho, gostoso de ouvir. Nada de muito relevante, contudo: jovem guarda pura e simples. Cerveja a dois reais, orçamento apertado, ficamos na água e no espaço: só no bolinho. Perto das duas resolvemos ir embora, então largamos na pernada pelas ruas escuras de Copacabana. Em algumas esquinas, os pontos de tráfico eram tão evidentes que assustavam. Confesso que apertei um pouco o cu nos primeiros passos mas depois perdi o medo e comecei a achar tudo aquilo muito divertido. Acabamos a noite sentados na beira da praia em um ponto qualquer de Copacabana aloprando, assistindo os quadriciclos da polícia fazendo a ronda perto do kombão, estacionado na frente de um posto de gasolina.

No outro dia acordamos com o céu cinza e um milhão de pessoas na praia e buscamos um pouco pelo calçadão. O Pinga fez algumas animações stop-motion perseguindo eu e o Tiago até o Leme e na volta nós três importunamos alguns policiais. Foi mais ou menos isso que conhecemos do Rio. Embrenhamo-nos por algumas ruazinhas próximas ao Copacabana Palace, passamos pelo meio de uma feira e apesar de muita resistência, acabamos comendo num McDonalds. Não tinha sol: o domingo amanheceu entre chuviscos e moletons em plenos 20 graus. Não senti frio de mangas curtas e achei aquele cenário todo tão bonito. Não sei explicar muito bem o que aconteceu comigo, mas tenho que admitir que o Rio de Janeiro é mesmo lindo. É tão imponente quanto São Paulo mas não há só concreto: há praias, morros, pedras, luzes. Como diz o Tiago: no Rio o cara tem o que olhar. A cidade tem mesmo alguma coisa que atrai. Tenho vontade de voltar. Pelo pouco que vi, já fiquei encantado. Copacabana é mesmo a princesinha do mar.

Às três da tarde a banda tinha uma entrevista marcada com a MTV e os shows do festival recomeçavam, então fomos de volta à Casa Amarela. Conseguimos estacionar bem na frente do troço e depois de alguma enrolação, finalmente entramos para conferir as bandas. A entrevista acabou ficando para as seis. Rolou, deve ter ficado engraçada. Entramos na casa no meio do show da Onno. O que se viu a partir dali não mudou muito: o vírus da Jovem Guarda contaminou o underground carioca de forma irreversível. Todas as bandas tocam rigorosamente dentro da mesma cartilha. Seria esse um exemplo do campo mórfico tão defendido pelo King? De qualquer forma, a noite me reservou duas boas surpresas e uma má, terrível pra caralho mesmo.

Entre as boas, os paulistas da Old Suit, barulheira por vezes metaleira, por vezes grunge. Interessante e divertido, me fez querer conhecer mais. Destaque para o instrumental, sobretudo a bateria: muito bom. Quebradinhas inesperadas trimmassa. Outra boa pedida foi o show d´Os Djangos, roquezão carioca, funkeado naquela linha clássica da GUANABARA sem ser afetado. Se existisse o rótulo róque carioca como existe o roque gaúcho, Os Djangos seriam o seu MELHOR representante. Enérgico e empolgante, bom momento mesmo.

O momento mais bizarro do festival (e a surpresa má, terrível pra caralho) foi a apresentação da banda Smiley, de São Paulo: a banda é toda meio feia, formada por uns velho esquisitos que parecem personagens do Seinfeld, com destaque todo especial para o batera, exatamente igual ao NEWMAN. Outro deles toca violão de BOINA, até. As avós de alguns dos integrantes estavam por lá. Muito bizarro. Uma das músicas fala de um cara que quer que uma garota seja apenas sua GRANDE AMIGA. Por Deus, que triste. Muito triste todo o show, diga-se. Golden Boys não difere em nada daquilo. Nesse momento é bom que se faça uma ressalva: nada contra jovem guarda. Eu acho divertido e tudo o mais, mas não dá pra fazer um troço baseado única e exclusivamente nisso. Tem que misturar com dodecafonia, punk ou sei-lá-o-quê senão o troço não rende. E, aliás, acho até que as possibilidades de se fazer jovem guarda soar bem já foram esgotadas com a Graforréia Xilarmônica e este não é um comentário bairrista: se fossem paulistas, baianos ou cariocas eu continuaria mantendo o mesmo discurso.

Enfim: depois da boa Old Suit, a winston subiu ao palco disposta a detonar tudo. Guitarras altas era o objetivo a ser perseguido mas o pessoal da mesa não se acertou muito bem e tascou a voz do Tiago lá em cima, bem mais alta que a sua guitarra. Isso não prejudicou o show: achei muito afudê as músicas novas, (meu grifo para O Casamento e Se Foi, que incrivelmente NÃO TÁ NO DISCO!!) cobicei muito adquirir um exemplar do CD (coisa que fiz). Luciano Vianna parou do meu lado, balançando a cabeça e disse: o vocalista parece o Mini. Eu ri. Ele continuou balançando a cabeça: bom pra caralho. Deu um tapa nas minhas costas e sumiu.

Uns minutos antes disso havia conhecido Fred Leal, que perambulava por lá ostentando camiseta da FRAUDE na noite anterior e não achou que o ruivo magrelo de óculos fosse eu. Mais tarde, em conversa com J.P. Cuenca e Nix, descobri o grande fracasso da viagem: fomos avistados caminhando na Av. Atlântica na noite anterior. Alguém no carro, que se dirigia a uma mega-orgia com drogas, róque e, muito provavelmente, gatas quentes cariocas na casa de Matias Maxx levantou a hipótese - aquele ali não é o Cardoso? - mas ninguém acreditou. Ninguém sabia que eu ia ao Rio de Janeiro, o que prova que ninguém da máfia carioca lê o meu blog. A recepção que eu tive lá também prova que eu dei MUITA CHANCE PRO AZAR ao não ter mandado um e-mailzinho amigo dizendo "ó, tô na área aí". Se tivesse me concentrado nesse pequeno gesto, certamente teria me acabado muito mais - e de uma forma muito mais divertida do que ficar ao relento em Copacabana - na noite de sábado. Mas enfim: outras oportunidades virão. Voltarei, tá prometido até. O pessoal é muito afudê, é imperativo fazer uma chinelagem com eles por lá.

Uns minutos depois, contudo, embarcávamos novamente no kombão para começar a longa e morosa viagem de volta. Eu estava feliz e satisfeito: pra ficar perfeito só faltou um beck. Infelizmente, ninguém pôde nos ajudar àquela altura do campeonato. Compramos dois engradados de ceva enquanto nossos motoras ofereciam uma carona até uma bocada qualquer na saída do Rio a um transeunte aleatório. Bizarro. Afundamos lentamente nas delícias da ceva e do chocolate espacial e na segunda de manhã quando acordamos no interior do Paraná nos sentíamos mendigos. Assistimos Gummo, um show do Weezer na Alemanha em 96 e acabamos com o resto de comida que ainda restava no kombão. Mais tarde ficamos sabendo que os motoras haviam ficado perdidos duas horas em São Paulo e nesse meio tempo até mesmo bateram em um carro. Imperícia transportes comandando. Depois disso, mais do mesmo. Chegamos perto da uma da matina em Porto Alegre, nos despedimos e fomos para casa.

Hoje, perto das nove e meia da manhã, recebi uma ligação: a mulher do seu EGÔN querendo o telefone do Marcos. O seu EGÔN extraviou o cheque do moço. Leia-se: o cheque do moço voôu pela janela, o apropriadíssimo local onde seu EGÔN resolveu guardá-lo logo após tê-lo recebido.

De qualquer forma, grande viagem. Grandes amigos, grandes chapadeiras - nenhuma fumaceira, infelizmente - grande cidade linda bragarái, grande estrada, grandes filmes, grandes músicas. Os rangos foram ok mas não foram grandes e as gatas não se apresentaram. De resto, grande viagem.

Se eu pudesse, passaria UM MÊS nessa vida. Ou mais. Bem mais, na real. Cobiço a vida das bandas que fazem turnês em MOTOR-HOMEs. Convidem-me sempre. Eu irei.